domingo, 14 de abril de 2019

DIGO SIM

Poderia dizer
que a vida é bela, e muito,
e que a revolução caminha com pés de flor
nos campos de meu país,
com pés de borracha
nas grandes cidades brasileiras
           e que meu coração
é um sol de esperanças entre pulmões 
           e nuvens

Poderia dizer que meu povo
é uma festa só na voz
de Clara Nunes
                       no rodar
das cabrochas no carnaval
da Avenida.
                  Mas não. O poeta mente.

A vida nós a amassamos em sangue
       e samba
enquanto gira inteira a noite
sobre a pátria desigual. A vida
nós a fazemos nossa
alegre e triste, cantando
       em meio à fome
       e dizendo sim
 em meio à violência e a solidão dizendo
      sim  
pelo espanto da beleza
pela flama de Tereza
        pelo meu filho perdido
neste vasto continente
        por Vianinha ferido
        pelo nosso irmão caído
pelo amor e o que ele nega
pelo que dá e que cega
        pelo que virá enfim,
        não digo que a vida é bela
        tampouco me nego a ela:
         digo sim

(Gullar, F. 1999, p. 279, 280)         

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