Ela estava só, mas tranquila, naqueles tempos. Tinha terminado um relacionamento longo e não queria se envolver tão cedo com outro cachorrão. Entretanto, as colegas falavam maravilhas de encontros marcados pela Internet. Curiosa, não resistiu. Naquela noite tentou se inscrever em algum grupo. Quase desistiu, pois precisava enviar nome, dados pessoais e fotos. Como se revelar assim para estranhos? As amigas disseram para ela não se preocupar com a verdade e ser criativa, o importante era arranjar encontros, muitos encontros.
Levou uma semana para criar suas informações. Começou pelas fotos, tentando caprichar nas que colocaria no ar. Não queria mentir, colocar uma foto falsa ou retocada, que enganaria os possíveis interessados, mas que a impediria de comparecer ao encontro, por pudor. Não agüentaria ver a pessoa se decepcionar quando visse que ela não corresponderia à imagem. Optou por fotos que mostravam tudo, mas escondiam o que lhe interessava. Um pouco distantes, em grupo: uma em que estava com uma blusa "tomara-que-caia", outra com flor nos cabelos, aquela outra de biquíni no meio das plantas. Ela estava inteira nas fotos, bastaria o interessado dar um "zoom" nas imagens. Sem surpresas.
A escolha do nome ou apelido foi mais difícil. Adotar um direto, tipo "garganta profunda", "sapeca", "dou tudo me pedem", "gulosa", etc.? Não, só iria atrair tarados, tinha medo. E pudor. Um nome de prostituta tipo Shirley, Tábata, Bruna, Monique, etc.? Quem sabe. Não, o pudor. Um nome comum, que nada revelasse, tipo Maria, Lúcia, Cláudia? Um pouco melhor, mas não atrairia ninguém. Um nome literário, como a Dama das Camélias, Lady Godiva, Teresa Batista, Gabriela, Tieta? Bons, mas muito pomposos, poderia lhe dar um ar esnobe, afastando possíveis príncipes. Apesar que na foto com a flor nos cabelos ela lembrava Gabriela. Não, Dona Flor!! É esse! Se cidadão tiver lido o livro, saberá que a Dona Flor é fogosa, além de cozinhar muito bem e ser bonita e gostosa. A cara dela. Fogosa com certeza um calorão. Mamãe tinha lhe educado para casar, sabia cozinhar e costurar. Bonita e gostosa estava na cara, ou melhor, no corpo. Faltavam só os dois maridos. Por enquanto. Animada, inscreveu Dona Flor logo em três grupos, pois miséria pouca é bobagem.
Nome escolhido, fotos enviadas, foi à caça. Dona Flor fez sucesso. Carne digital nova, comemoraram os lobos digitais. Audiência numerosa, mas infrutífera. Muitos encontros frustrados com caras completamente fora dos seus padrões. Ainda não estava matando cachorro a grito ou subindo pelas paredes, podia esperar coisa melhor. Matou dona Flor. Conversando com amigos, um deles sugeriu que ela fosse a bares de solteiros. Todos que estavam lá queriam encontros. Oferta dirigida. Ela podia escolher. Ou não: na dúvida, ele chegou a ter oito namoradas.
- Mas você trocou todas por aquela que lhe apresentei. Sinal que esses bares não funcionam.
Que não fosse por isso. Os amigos vasculharam todos os seus contatos atrás de bons homens disponíveis. Até chegarem no Lucas, divorciado, executivo, educado, boa família, conhecedor de vinhos, ópera, música clássica, filhos criados. Apresentaram a ficha do candidato. "Só qualidades. Por que está sozinho", questionou. As mulheres não tinham respostas possíveis. Os homens disseram que a culpa era das próprias mulheres, muito complicadas, incapazes de ver a jóia rara. Que não fosse por isso: foi ao encontro marcado. Ele correspondia às informações. Gostou dele. Ficaram juntos, cada um na sua casa, bem entendido. Saíam, passeavam, iam a teatros, shows, cinema, restaurantes, etc. Vida suave, mas não era tudo. Sexo bom, mas ... a mesma dúvida da Dona Flor original com relação a Teodoro, seu segundo marido. Saudades de Vadinho.
Dona Flor ressuscitou. À noite entrava em ação em busca de emoção, de um Vadinho perdido por aí. Saiu com um rapaz, teve que pagar todas as contas. Coisa boa, mas não dava para bancar. Era das antigas, homem pagava. Não, não era tão antiga assim, admitia até rachar a conta, mas pagar tudo nunca. Criticava uma conhecida por ter um "menino" e faria igual?Uma colega disse para ela pensar assim: Lucas paga cem por cento da despesa, o outro paga zero por cento, média de cinquenta por cento, dentro de seus padrões morais. Tudo explicadinho assim, deu para sair algumas vezes com os dois, mas quando o rapaz pediu um pequeno empréstimo ...
Dona Flor insistiu nos encontros cibernéticos. Um dia foi esperar um "Robin Hood" digital num bar de solteiro. Pela foto no site parecia um "peixão". O ponto de encontro era no balcão, ela de camiseta amarela e um Campari na mão. Ele chegaria de camisa verde e tomaria chope. Já estava no segundo Campari e nada do salteador de estradas aparecer. Não gostava de homem impontual. Especialmente naquele bar cheio de homens, que viam as mulheres como pedaços de carne expostas no açougue. Por exemplo, um do seu lado olhava-a insistentemente. Não gostou dele à primeira vista: meio gordinho, roupa apertada, bolso cheio de canetas, mal vestido, cabelos em desalinho, barba cerrada por fazer, sapatos sujos. Tudo registrado numa olhadela, sem que ele percebesse. O outro demorava. Para passar o tempo, resolveu se distrair com seu vizinho enquanto o "Robin Hood" não se identificava. Um sorriso foi suficiente para dar início à conversa.
- Tive um dia de trabalho duro. Estou precisando relaxar.
- A bebida ajuda.
- Espera alguém?
- Talvez.
- Atrapalho?
- Não. Que mal faz conversar um pouco?
- Não tira pedaço. Por enquanto.
Ela voltou a sorrir e a conversa engrenou. O homem era muito simpático e sabia agradar uma mulher. Januário, engenheiro de obras, amassa-barro. A explicação das roupas e dos sapatos. Ela estava gostando da paquera, mas, depois de algum tempo, ficou em dúvida se ele não estaria afastando "Robin Hood", seu príncipe. Tímido, pensaria que ela estava acompanhada.
- A conversa está boa, mas estou esperando uma pessoa e seria desagradável ela encontrar a gente conversando.
- Sem problemas, já estava mesmo na hora de ir para casa. Amanhã levanto cedo.
- Obra é fogo.
- Sete da manhã já estou lá. A gente podia se encontrar outro dia, não?
- Sim.
- Posso lhe telefonar?
- Prefiro que não.
- Fica com meu cartão, então. Ligue-me quando puder. Mande um e-mail. Só para tomar umas e conversar.
- Sei.
O homem foi embora, mas "Robin Hood" não apareceu naquela noite. Nem nas outras: sumiu da Internet. Medo de revelar que não correspondia à foto? Timidez ou foi Januário que o afastou?
Na noite seguinte, Dona Flor varreu o ciberespaço mas nada encontrou de aproveitável. Talvez tivesse que adotar o avatar de Shirley ou Garganta Profunda. Trocar as fotos, quem sabe. Lembrou do Januário e mandou-lhe um e-mail com um simples "oi". Ele respondeu imediatamente. Será que ele era o tal "Robin Hood" e não quis se identificar no bar? Certamente não correspondia em nada às fotos enviada pelo bandoleiro. Algumas outras trocas de mensagens e marcaram para esse encontrarem no mesmo bar, ela com seu Campari, ele com seu bolso cheio de canetas e sapatos com o barro da obra. Identificação imediata. Ele disse que era casada, ela mencionou-se comprometida. Sem problemas, disse ele, melhor assim ela falou. E antes do segundo Campari foram para as vias de fato, que o engenheiro era direto e rápido.
Agora é Dona Flor assumida. Lucas é Teodoro, aquele com quem tem vida social e cultural, o que é apresentado aos amigos. Januário é o Vadinho, sua vida secreta, nus à meia luz sob (ou sobre) os lençóis. Ou na Internet, sexo digital.
Até quando? Até que um dos dois faça a loucura de pedir-lhe para cozinhar. Não nasceu para cevar macho!
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