terça-feira, 29 de março de 2011

Insônia de vicio

Uma palavra breve. O tempo escapa-nos. E com o tempo, o sabê-lo. O próprio saber. Não tenho nenhum sentimento dentro de mim. Não o digo com garbo. Constato-o. Constato que aquilo a que a partir de agora chamarei de sentimento não é suficientemente canino para eu poder emoldurar ao pé dos lustres, das pratas, das palavras exdrúxulas. Quanto muito seria uma borboleta, se assim o quisesse. Não quero. Fecho-me àquilo que o seu bater de asas, metáfora do mundo, cicia. Olho-te com um desespero nunca visto. Olho-te como se te dissesse,
agora é que se foi, o que perdemos.
A minha vida é de uma inutilidade tão tamanha que nem sirvo para odiar. Eu sei, eu poderia propor-me para mestre-escola, propor-me a humanidades, salvar assim a família, a atenção, o próprio salário.
Não posso. Seria mentira. E eu já me adestrei a tudo. A perder pai,amores, amigos. Os próprios sentimentos, o ódio, o amor. O pensamento, que não a ideia de pensar. Mas não é perder o pensamento viver num mundo que dele não carece?
É. Sobreviverei a isso também. Deixo-me apenas este luxo, esta bizantinice: um pouco de verdade. Não digo muita. Tendes razão. É pouca. Nem é bem uma verdade que é. É uma sombra. Um resto que ficou do grande banquete.Basto-me assim!!!!
Há medida que crescemos, muda a nossa relação com o tempo. E, simultaneamente, a nossa relação com a morte. O tempo é um brinquedo demasiado complexo para o sabermos entender com dez, vinte, trinta anos. É claro que sem isso não conseguíriamos viver. Seria insuportável. Há um desconhecimento do tempo que nos permite agir. Estamos certos em não percebermos o tempo. Mas depois, chega uma hora emque tudo se desfaz. Como se um torrão de areia se esbroasse. Percebemos então que em cada grão de tempo que escorre na ampulheta estão agrilhoados, em estado de libertação, pelo menos, 3 tempos: o tempo que é, o tempo que não é, e o tempo que poderia ser. E digo pelo menos três tempos porque é isso mesmo que podemos perceber. Todos os outros tempos, como por exemplo o cósmico, esses, não os atingimos ainda.
estende a tua mão contra a minha boca e respira,
e sente como respiro contra ela,
e sem que eu nada diga,
sente a trémula, tocada coluna de ar
a sorvo e sopro,
...ó
táctil, ininterrupta,
e a tua mão sinta contra mim
quanto aumenta o mundo

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Bem piores que as tampas, quero crer, sãos as "alianças" alicerçadas nesse mesmo vazio ético. Muitos são os namoros e casórios que assentam numa lógica de vassalagem, neles sendo facilmente descortináveis os papéis de amo (amado) e "amador" (vassalo). O amo está lá porque se sente aconchegado nos confortos (emocionais e outros) do amor servil. Já o vassalo, e aqui jaz a triste ironia, cingido ao amor, é o único que alimenta um imaginário romântico, é o único que a vida traz junto de quem ama. A estrutura da opressão depende desse incansável apego. Apego romanticamente elaborado, não pela natureza da relação, mas pelo investimento sentimental de uma das partes. E assim, caro Wilde, e assim se vão cavando as comunicações privilegiadas entre valas e estrelas.
O homem consegue adpatar-se a tudo aquilo com que a sua imaginação consegue lidar, mas não consegue lidar com o caos. Qualquer sociedade primitiva tem rituais diários incorporados nas suas actividades quotidianas porque se torna necessário reasseverar a questão moral do reconhecimento da sua condição cósmica. O que vem, vem, e o que é importante é que lhe dês algum sentido. A história não se repete, mas o que é certo é que rima.
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Cifford Geertz, Frazer Lecture, minha tradução
Na religião, na narrativa biográfica, na história, na psicanálise, na poesia, encontram-se algumas das rimas que conferem sentido à dissoluta cadência do existir. "A história não se repete, mas o que é certo é que rima." Domesticamos o que acontece com os nossos esquemas de inteligibilidade. A imaginação nasce deles, e nunca lhes escapa totalmente: "Imagination is not unbounded". Onde tu vês uma árvore eu vejo também a morada de um antepassado. Se essa árvore arde acontecem-nos coisas diferentes. O importante que isso rime com o modo que fomos vendo por aí as coisas. A crescer. A arder. O importante é que possamos imaginar sair do que se passou. E para isso é preciso imaginar saber o que sempre se passa. O que vem, vem.

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